As condições daquele trecho da pista nunca foram boas, ainda mais com a notícia do acidente envolvendo o repórter Rafael Rossi. Toda a imprensa da região estava alvoroçada, querendo respostas, fabricando perguntas.
A Polícia Rodoviária havia interditado uma pista, pois, os destroços cobriam a paisagem. O trânsito piorava devido à curiosidade de alguns motoristas que quase paravam pra ver o carro capotado. No meio de algumas pessoas, um Guarda tentava manter a cena do acidente preservada.
- Vamos, qual é? Não tem nada de mais... Só mais um apressadinho...
A enorme barriga do homem, junto com seu hálito de frios, mantinha o pessoal distante do carro. Ele ficava gesticulando todo o tempo, ao fundo viu um carro estacionando no acostamento, podia ver escrito, “Imprensa”.
“Lá vem encrenca”
O homem resmungou algo e acenou com o braço negativamente. Ele sabia que a “molecada” – como alguns os definiam - do jornal era destemida, às vezes até irresponsável em busca de fatos.
- O que querem aqui?
Um jovem com as calças sujas e a barba por fazer, bateu no ombro do Guarda.
- Ah! Marcos, qual o motivo de tanta aspereza?
- Não toque em mim. E não se faça de bobo!
- Tudo bem! O que houve aí?
- Nada, só mais um acidente. Mais um apressadinho tentando subir o barranco...
Aquela cena de destruição era mais uma na vida de Marcos: estilhaços; corpos mutilados. Mas a cada acontecido, ele se sentia vazio, sempre em situações assim, se perguntava: “recolher pedaços de gente, isso é trabalho?”.
Diversas vezes, a Polícia deixava de lado sua função; patrulhar, pra atender as vítimas, prestar primeiros socorros, e até mesmo, recolher cadáveres.
- Só uma palavra pra minha história...
O repórter insistia em tirar algo de Marcos.
- Qual é Gabriel? Não existe história. É só mais um acidente, caralho!
- Calma, amigo! Temos uma boa manchete aqui... Um carro sobe um barranco, num trecho de linha reta, capota e o motorista morre sem nenhum arranhão? Pode não gostar de mim, nem do meu trabalho, mas é coisa estranha, esse acidente, não é?
Marcos concordou no inconsciente, mas suas palavras, não:
- Vai, tire as suas fotos e suma daqui!
Gabriel sentia-se o dono dos fatos, sua mania de grandes conspirações o atormentava e ele, adorava isso. Realmente, os dias estavam sendo difíceis, a grana tava curta, problemas de saúde, uma anunciada demissão, tudo isso preocupava o homem. Com tantos “contras”, ele havia prometido a si mesmo, que cada matéria, deveria ter tratamento especial.
“Bem. Não há sinal de freada, de veículo algum. A impressão que tenho, é que algo surgiu na pista... Um animal talvez. Pedestre não”.
Algumas fotos foram feitas, mas Gabriel não entendia. Por um momento ele pensou em suicídio.
“Só pode ser isso, se bem que seria mais fácil jogar o carro na ribanceira, ou um tiro na cabeça, ou veneno...”.
Sempre que uma história se mostrava misteriosa, o Repórter caminhava pro lado mais sombrio. Essa atitude sempre gerava desconforto no Meio, era comum alguns colegas se afastarem de Gabriel. E isso piorou, quando ele escreveu um artigo pra uma revista de circulação regional, sobre o E.I.X.O., isso gerou mal-estar. Já que esse assunto era ridicularizado, o artigo foi considerado pirotécnico, por muitos jornalistas; conhecidos ou não de Gabriel.
A Imprensa, antes contestadora, havia se trancado em seu castelo e se tornado uma marionete de si mesma. Mas desde que os acontecimentos relacionados ao E.I.X.O., vazaram, e ficaram famosos, foram instalados “filtros” em diversos meio de comunicação. “Devemos ter responsabilidade do que publicamos” - esse era o slogan. De tão absurda, essa história era tratada de maneira folclórica, se tornou um mito, como: Chupa-cabras, E.T. de Varginha. A elite da Imprensa “independente” se recusava a retratar isso, e quem partia pra esse lado, era simplesmente excluído do Meio.
Gabriel fez doze fotos, hesitou em olhar o corpo dentro carro, de certa forma, Rafael Rossi era um ídolo, já que além de Gabriel, era o único que dava devida atenção aos muitos fatos que se passavam no país. Olhando o velho Fusca, ali capotado, a consciência lhe perguntou, “só dois, um morto e outro vivo”. Um súbito misto de medo e desconfiança, o abateu.
Mas aquilo, seria lembrado depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário