A seca de 2006, consumia o Cerrado, os focos de incêndio, acompanhavam a margem da rodovia. Eram comuns, placas informando ao motorista pra não jogar bitucas de cigarro na pista. Mas definitivamente, isso não era seguido.
Márcio já não agüentava mais dirigir. Suas pernas pediam descanso, já estava ali sentado, há 7 horas. Passando por Jataí, ele teve um alento.
“Só mais 60 km”.
Seus pensamentos se concentravam na sua esposa que havia ficado em Campo Grande. Devido ao descompasso de horários de trabalho, não puderam viajar juntos naquele dia.
Quanto ao seu trabalho, ele sentia-se levemente tranqüilo, havia deixado a sua equipe bem instruída, quanto a posições, clientes e decisões, afinal, ele só ficaria uma semana longe da empresa. E bastava uma ligação, que ele poderia resolver algum problema operacional.
Era o primeiro encontro da antiga turma do ginásio. Alguns amigos ele não via há anos, e a expectativa de um bom churrasco, lhe animava. Porém, ele teve que ir, até Goiás, em Rio Verde, pra buscar, um dos remanescentes da turma de 1993; Tiago. Eles haviam feito uma aposta, e como Márcio, havia perdido... Teve que dar carona, ao antigo colega.
Os dois haviam combinado um lugar comum; a rodoviária da cidade.
Márcio pegou o último retorno e entrou na cidade, muito bonita e movimentada, por sinal. Após algumas perguntas e enganos, enfim ele encontrou o acesso à rodoviária. De longe ele avistou Tiago, sentado num banco, com duas mochilas. Por um momento, lembrou dos tempos de escola:
“Bons tempos era só estudar, e jogar bola...”.
Realmente eram bons tempos. Nada de preocupações com casamento, trabalho, filhos. Era um ócio total.
- Fala fio!
Com algumas buzinadas, Márcio estampou um sorriso. Com um abraço, os dois se reencontraram, já fazia muito tempo que não se viam. Só alguns contatos por “MSN”, ou “orkut”.
- Então, Marcinho! Quanto tempo heim?!
- Poxa, é mesmo. A gente ficou velho. Você tá um lixo!
Tiago gargalhou alto, realmente algumas rugas, já lhe eram notadas...
- E você? Cadê o lutador de “taikondo”?
- É mesmo. Ele morreu!
Márcio já sentia seu corpo pesado. As muitas cervejas haviam deixado a silhueta de atleta para trás.
Os dois tomaram algumas cervejas, almoçaram e falaram sobre a vida. Tiago comentou de sua separação, disse que foi o melhor jeito de resolver algumas diferenças, mas sentia muitas saudades de seus dois filhos. Márcio lamentou aquilo, e pensou em sua esposa.
- E você, Márcio? Não tem filhos?
- Ainda não! Ta cedo né!?
- É. Cada casal tem seu tempo.
- As vezes pensamos em ter, mas não temos casa ainda. Quero um pouco mais de tranqüilidade.
Os quarenta minutos de almoço foi bom pra relaxar, espairecer. Já se passavam das três da tarde, quando decidiram pegar a estrada. Seria uma longa viagem, mais de 1000 km, até Rancharia.
- Vamos nessa então, Tiago?
- Vamos sim.
Em 35 minutos, já estavam na BR-364, Márcio mantinha uma velocidade média de 110 km p/ h., com seu GM Astra. Tiago, nessa altura, já dormia. A picanha havia caído muito bem.
- Acorda rapaz!
- O quê?
Tiago meio desnorteado, abriu os olhos vermelhos.
- Cara, preciso dormir.
- Que nada! Não durma. Fica acordado aí, pra gente conversar, estou morrendo de sono também.
- Ok! Você sabe de alguém daquela época, que já morreu?
- Acho que não. Mas, tem alguém?
Tiago fez a pergunta por fazer, na verdade, foi a primeira coisa que veio em mente. Ele se acomodou no banco e despertou.
- Então. Eu acho que tem sim, mas não me lembro do nome. É um cara.
- Foi do quê?
- Não sei. Ouvi dizer que ele ficou internado um tempo.
- Ah! Meu pai me disse. Parece que ficou louco. Mas não sabia que ele tinha morrido.
- Como era o nome dele, mesmo? Ele morava lá na Granja.
Alguns nomes foram citados, mas ninguém se lembrou, apesar de serem da mesma época, não eram da mesma “panela”.
- Meu pai me disse que sumiram duas primas dele. Aí a polícia investigou, mas não achou nada.
- Estranho, né?
- O mais estranho foi quando ele sumiu ou fugiu, não sei. Pensa bem, o cara é estranho, as duas únicas pessoas que moram com ele, desaparecem, e depois ele foge... Ficou fácil pra polícia resolver o caso.
- É, ele não participava de nada na escola. Mas, assassino?
- Sabe lá, isso foi em 2001. Depois ele se entregou e acabou condenado. Tinha um lance que ele só falava de “eixo”, algo assim, ele só falava disso. Foi baba pro promotor.
- Eixo! O cara tava doido mesmo.
- Se eu não me engano, as meninas desceram do ônibus e ninguém mais viu.
- Uma pena, talvez o cara nem fez nada.
- Quem sabe?
- Quando chegar lá, a gente toma uma por ele!
- Isso mesmo, Marcinho.
- Olha lá, estamos perto de Minas.
Uma placa no acostamento dava as distâncias para Uberaba e Uberlândia. Logo depois de São Simão, já era a fronteira entre Minas e Goiás.
Um celular Nokia vibrava em cima de uma cômoda. Na cama ao lado, um corpo repousava, imóvel, como se fosse um cadáver. Debaixo do edredom, Tiago ouviu o barulho e atendeu.
- Alô...
- Tiago? Onde você está?
- Hã!
- E o churrasco, estava bom?
- Churrasco? Que dia é hoje?
- Doze de Agosto. Era pra você ter voltado a trabalhar anteontem!
Tiago pensou um pouco, tentou se lembrar. A única que lembrava era de estar na estrada, onze dias antes.
- Tiago! Acho melhor você voltar depois do almoço. Ok?
- Sim, eu volto.
Com as mãos na cabeça, tentava recordar algo. Ligou pro seu pai, mas não atendia. Sua mãe estava com o celular desligado.
“Onde eu fui? Talvez o Márcio me explique isso”.
Dos muitos porres que já havia tomado, Tiago sempre se lembrava das situações, locais. Mas nunca houve um caso, onde havia se esquecido dos últimos dozes dias de sua vida.
- Alô! Márcio!
- Fala fio. Melhorou?
- Do quê?
- Do chilique.
- Cara, fala sério!
- Ué, você não se lembra?
- Lembra de que?
- Me fez ir até aí, pra depois dizer que não ia mais ao churrasco. Disse que não estava bem.
- Ah! Pára com isso. Chega de zoação!
- Cara, você realmente não está bem. Ah! Você se lembra do Plínio, que morava na Granja?
- O nome dele era Plínio! Isso mesmo...
- Então, o encontrei em São Simão, tá trabalhando num posto.
- O cara que morreu? O que matou as primas?
- Eita! O que voce anda bebendo? Tá num delírio só.
- Ah! Vai se foder!
Tiago não assimilava mais nada, desligou o telefone e decidiu dormir o resto do dia. Pensou estar sonhando e queria acordar logo...
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