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Um Rei sem reino num mundo sem janelas, vivendo e mastigando a carne podre da rotina.

terça-feira, janeiro 23, 2007

A Revelação



Caía uma neblina junto com a noite. O carro novo do Jornal local se arrastava pela pista, as condições eram boas, mas o motorista sentia-se exausto... Andou por mais de 20 km, com o carro em 3ª marcha. Gabriel fez o trevo da cidade e se perdeu em pensamentos.
“Será que o Rafael se matou? Onde estão os motivos? Caralho, o cara ia escrever um artigo na Veja, enfim, tantas coisas seriam explicadas, é muito estranho tudo isso. Agora o “puto” vai e morre”.
Certas coisas na vida de um homem, são prioridades, e o artigo que Rafael escrevia pra Veja, era algo aguardado por Gabriel, a revista, que já tinha sido a Bíblia da imprensa nacional, havia caído num abismo sem fundo, e mesmo sendo um assunto pouco levado a sério, o E.I.X.O., era considerado o último tiro daquela espingarda, que antes já tinha sido decisiva em muitos escândalos “brasilienses”. A cada edição, era anunciado o tal artigo. Mas isso, definitivamente, nunca aconteceria.
Gabriel estacionou o carro, e logo agarrou o filme. Ficou alguns minutos trancado no veículo... Ele tinha fotos, mas não uma história, aquele era seu último trunfo. Por uma escada surrada, se via a redação do jornaleco; sete heróis ainda suportavam o velho Freitas, que era o redator, editor e dono da “Tribuna do Dia”. Todos os jornais da região estavam anos-luz à frente. Ali ainda se usava filme fotográfico, enquanto a maioria já usava as “digitais”. A única coisa que prendia todos naquelas condições, era que o Velho pagava em dia, e devido a Imprensa atravessar uma crise de 12 anos... Sempre foi melhor pingar, do que secar.
- Então Gabriel!
O velho transpirava forte, sua camisa de linho, azul escuro, estava verde em alguns pontos. Uma paisagem tão nojenta, quanto o seu hálito.
- Bem, Dr. Freitas. Mais um acidente!
- Só isso?
- Sim. Aquela pista está muito perigosa...
Gabriel passou pelo velho, como se quisesse esconder algo. Mas a raposa, era viciada.
- Bem, então você já pode me devolver o filme e a máquina, não é mesmo? Eu preciso fazer alguns testes.
O jovem repórter suspirou.
- Tudo bem! Tirei algumas fotos lá... Acreditei que fosse dar alguma coisa.
- Escuta filho! Você saiu daqui duas da tarde, voltou agora, e ainda me diz que tirou fotos de uma coisa que não vai dar em nada?
- Sim! É isso!
- Acredito que não temos mais espaço aqui pra você! Os garotos ficaram a tarde inteira escrevendo boas histórias. Olhe pro Mendes, ele fez do concurso de culinária, uma boa leitura. Agora, ser jornalista, não é sempre ter um escândalo em mãos, ou uma fita contendo políticos corruptos roubando dinheiro público, ou algo assim. Às vezes, o trivial serve. Desde que você chegou aqui, só pensa no tal eixo, o que é isso? Aqui não é o “arquivo x”
Gabriel sentiu-se aliviado, ainda não era o momento, mas ficou feliz em ter sido demitido.
- Entendo o senhor. Vou arrumar minhas gavetas.
- Mas, antes disso, dê-me o filme...
- Não! Desconte o valor dos meus honorários, mas o filme fica comigo!
O velho Freitas coçou sua cabeleireira tingida e uivou algo. Andou por alguns instantes na direção de sua sala, deu meia volta e fuzilou o Repórter com o olhar.
- Ok! Leve seu “filminho”.
Freitas se isolou em sua sala, pelo resto do expediente (que já estava acabando). Gabriel viu a situação, olhou pro boy da redação e o mandou revelar o filme.
- Na conta do “Dia”, é claro!
Quarenta minutos depois, o rapaz voltava com um pacote na mão esquerda e uma esfiha na direita.
- O rapaz da Revelação disse quem tem R$ 60,00 seus lá, e já estão vencidos.
- Ok! Depois eu acerto.
O boy lhe entregou o envelope e se afastou. Gabriel foi até sua sala, na verdade um cubículo 2x2, e por lá ficou. Ao entrar, ele olhou pra trás e observou seus colegas trabalhando na redação. Aquele seria o último contato de ambos.

- Alô! Preciso de uma ambulância!
- De onde é senhor?
- Aqui da redação! Tribuna do Dia. Temos uma pessoa passando mal. Acredito que seja enfarte.
- Ok. Já vamos mandar uma.

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